quarta-feira, 30 de junho de 2010

Editorial de Junho 2010

NEM PELO BURACO DAQUELA FECHADURA!
Há dias atrás contaram-me uma história que a alguns dos leitores será por certo familiar, mas  aos que desconhecem eu não poderia deixar de partilhar: dias depois da tão lembrada Revolução dos Cravos, numa loja da nossa vila, puxando do seu brio de proprietário e patrão, virou-se o dito senhor para os seus empregados e exclamou com tom autoritário: o 25 de Abril não entra aqui nem pelo buraco daquela fechadura! Queria pois prevenir com isso que os seus empregados não tentassem reclamar direitos ou liberdades.
Infelizmente ao mesmo tempo que me ri da história não pude deixar de pensar que nos dias de hoje começam a surgir novamente situações caricatas como esta, em que os “senhores do poder” julgam-se empossados de poder total sobre os direitos e liberdades das pessoas. Cada vez mais se conhecem histórias de abuso de poder, de perseguição, de tentativas (algumas com sucesso, outras nem por isso) de intimidação e mais grave ainda: puros atentados contra a liberdade individual das pessoas.
Não quero de forma alguma ser demasiado pragmática, nem repetitiva, porque aliás na edição anterior já havia escrito sobre os atentados contra a liberdade jornalística e liberdade de expressão, mas não consigo deixar de alertar para a “crise” bem mais grave que a financeira que é a crise de valores. A corrupção já não é punida, na justiça já não há quem confie, os justos pagam, os ladrões riem-se. Quem entra no “sistema” e cala-se fica bem, aqueles que ousam desafiar, que ousam enfrentar, que ousam ser livres, porque deles é um direito, sofrem represálias, são perseguidos, intimidados e ameaçados.
Mais grave ainda é a maior percentagem de população ser apenas indiferente: “ se não for comigo deixa andar!”
Qual crise económica? Qual crise no sistema de ensino? Qual crise do planeta? A verdadeira crise é as pessoas. A verdadeira crise é o que vai no íntimo de cada um. Enquanto cada um de nós não for capaz de agir de forma justa, consciente e activa na sociedade a crise será para durar e piorar. Cada vez mais seremos um país de deprimidos, de oprimidos, de conformados. E esse não foi certamente o legado que nos deixaram os capitães de Abril, por isso por favor: ao menos parem de comemorar Abril porque ele já não entra nem pela fechadura, nem com a porta toda aberta!