segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Natal nas suas multiplas versões


Este ano tive a oportunidade de passear pelas ruas da capital portuguesa na semana natalícia. Foi uma viagem ao interior das minhas emoções e sentimentos que não poderia de forma alguma deixar de partilhar com os leitores, especialmente com aqueles que lêem o Editorial todos os meses.
A nossa visão sobre o Natal vai mudando ao longo dos anos e hoje sinto-me amadurecida para falar sobre esse tema. Recordo com saudade a minha infância, o cheiro doce a Natal nessa doce fase da vida. Recordo o primeiro “bebé” que cobicei na prateleira envidraçada da loja do primo João Medeiros, de chegar a casa dos meus avós e tagarelar sobre as roupas que o pequerrucho vestia. Nessa altura a minha mãe ainda não fazia bolo de frutas, nem sabia o que eram frutas cristalizadas, apenas conhecia os doces figos passados, a minha mãe cozia sim uma fornada de pão de milho, uma de massa sovada, para encher com fartura a mesa na noite da consoada. Nem comíamos bacalhau, nem peru, mas sim véja salgada escorrida com batata ou carne de porco assada, ou ainda a própria caçoila de porco, porque toda a gente matava o porco nessa altura do ano. Na casa dos meus pais nunca houve barbies, nem carros de brincar caros, mas sempre uma mesa farta, muita alegria e os brinquedos mais humildes que pedíamos ao Pai Natal. A árvore era colorida com todos os fios que tínhamos, mesmo aqueles já velhinhos e desfiados. Eu e os meus irmãos até tínhamos os nossos próprios fios, tipo o azul era de um, o vermelho de outro e por aí além. Era na altura um Natal verdadeiramente Santo.
Esta semana ao passear-me pelas ruas da maior cidade portuguesa vi um Natal triste, um Natal egoísta, um Natal materialista. Enquanto uns se passeavam carregados de sacos “Massimo Duti”, “Boss”, e muitas outras marcas que custam “os olhos da cara” outros estendiam a mão para pedir esmola no meio da rua. Pessoas sós, pobres e invisíveis. São realmente invisíveis à maior parte das pessoas, porque já há quem realmente passeie pelas ruas sem as ver. “É tudo uma questão de hábito” disse-me a maioria das pessoas com quem desabafei o meu choque perante esta situação. Qual hábito? Será possível que nós como ser humanos consigamos nos habituar a uma coisa destas? Será possível que prefiramos oferecer bugigangas só por oferecer a quem nem precisa delas e sejamos capazes de olhar a quem nos estende a mão e recusar ou simplesmente ignorar ou pior ainda já não ver quem precisa do pão para se alimentar?
Visitei a Sé de Lisboa. Que fria que é! Realmente já não há corações para aquecer aquele monumento. O Natal de Jesus, o menino que nasceu pobre e recebeu prendas dos reis, parece cada vez mais distante: os reis de hoje já não vêem o “menino”, não querem ver, preferem ignorar. Como se ao ignorar se pudesse apagar aquelas pessoas, aquela miséria…
Senti realmente um Natal envelhecido dentro de mim, este Natal até me soube mal o bacalhau da consoada: uns com bacalhau, outros sem nada!
O meu editorial de Dezembro de 2009 foi sobre ajudar e acarinhar os mais próximos, aqui da ilha, idosos, as pessoas que vivem sozinhas, neste Editorial vou apelar aos meus leitores de Portugal continental: se vivem numa cidade onde existam sem abrigo, mendigos, lembrem-se que tem sempre a hipótese de todos os dias sair à noite e levar um jantar (que tantas vezes sobra nas nossas mesas), um cobertor, um sorriso, uma palavra a uma dessas pessoas. Se cada uma de nós agir dessa forma, estaremos a contribuir para um mundo melhor, feito de pessoas melhores. Votos de um Santo e Solidário Natal. Dê a quem realmente precisa.


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